Alguma Poesia

Carlos Drummond de Andrade

O Sobrevivente

A Cyro dos Anjos

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
 
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
 
Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.
 
Os homens não melhoraram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heroicos renascem.
 
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
 
(Desconfio que escrevi um poema.)

1. A respeito das formas utilizadas no poema O Sobrevivente, assinale a alternativa incorreta.
a) A função poética da linguagem pode ser verificada em todo o poema.
b) Na terceira estrofe, o poeta recorre à função referencial da linguagem.
c) Neste poema convivem estruturas de poema e de prosa.
d) O poema se encerra com um verso metalinguístico.
e) O poeta usa os parênteses para incluir o sentido do último verso ao poema.
 
2. A respeito dos sentidos expostos no poema O Sobrevivente, assinale a alternativa incorreta.
a) Na quarta estrofe, o verso “e matam-se como percevejos” é uma referência à Primeira Grande Guerra, evento precedente à publicação do livro Alguma Poesia.
b) O antepenúltimo verso afirma que a qualidade de vida aumenta à medida que a população diminui.
c) O sentido do penúltimo verso implica o crescimento demográfico referenciado no verso anterior.
d) O termo “trovador” é usado como sinônimo de “poeta”.
e) O último verso da segunda estrofe ironiza os anúncios de medicamentos capazes de promover a digestão.
 
3. Dentre os sentimentos expostos pelo eu lírico, assinale a alternativa incorreta.
a) As máquinas, pelo menos, demonstram alguma evolução humana.
b) As pessoas não se comovem, estão frias.
c) As sociedades humanas jamais alcançarão um nível razoável de cultura.
d) A vida humana não vale mais que a vida de um inseto.
e) O tempo passou, mas o homem não ficou melhor.
 
4. A figura de linguagem que se caracteriza com repetição de palavras nos inícios de versos ou de frases, como acontece na primeira estrofe, recebe o nome
a) anacoluto
b) anáfora
c) anástrofe
d) antítese
e) assonância
 
5. A preposição “de” do último verso da primeira estrofe é regida (exigida) pela palavra
a) lembra
b) ninguém
c) nome
d) que
e) tinha

6. O trovador a quem Drummond se refere no terceiro verso é provavelmente Augusto dos Anjos, poeta paraibano e pré-modernista que morreu em 1914. Essa referência
a) alivia o tom melancólico cantado por Drummond.
b) amplia a sinceridade e o pessimismo de Drummond.
c) confirma o idealismo e a esperança de Drummond.
d) contraria a fragilidade física de Drummond.
e) reduz a angústia revelada por Drummond.
 
7. O quarto verso da segunda estrofe nos informa que em 1930 já havia telessexo e telefone sem fio. Isso
a) caracteriza a força da União Soviética sobre o materialismo e o liberalismo norte-americano.
b) confirma a vitória definitiva do materialismo sobre o espiritualismo em meados do século passado.
c) demonstra que a tecnologia não evoluiu tanto na segunda quanto na primeira metade do século XX.
d) exemplifica o conflito entre o materialismo e espiritualismo, característico do século 20.
e) metaforiza a derrota de Sancho Pança para Dom Quixote na cultura ocidental.