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Corintiano é romântico

         Entre 1960 e 1980, o Brasil e o mundo ocidental viveram um período romântico. Jovens idealistas queriam sociedades alternativas, fazendas modelos, paz e amor, imagine all the people living life in peace. O homem pisava na Lua, o Brasil – tricampeão mundial de futebol. Pelé fazia o seu milésimo gol e os vietnamitas derrotavam os norte-americanos. Contracultura. Hippie. Faça amor, não faça guerra.
         Raramente se encontrava, nos anos 60, um intelectual que não fosse socialista. Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, sociólogos, professores de História, estudantes sonhavam com mundo pautado na liberdade, igualdade e fraternidade. Viva a Revolução Francesa! E a Revolução Cubana, que praticamente acendeu o pavio das utopias americanas. Fidel, Guevara e outros latinos, auxiliados pelos comunistas do leste europeu, expulsaram o Tio Sam da Baía dos Porcos e encheram de esperanças os olhos dos meninos que vislumbravam uma América oriental, de bem com a natureza. Hare Krishna. Eu quero uma casa no campo.
         Enquanto se comprovavam as ideias de Albert Einstein, a Jovem Guarda do Roberto Carlos balançava as tardes de domingo. Era apenas um garoto que, como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones. A Igreja Católica realizava o Concílio Ecumênico Vaticano II e o Centro Popular de Cultura evangelizava a organização social por meio da arte, do teatro.
         Justamente nessa época, o Sport Club Corinthians Paulista não aparece na lista dos campeões. 21 anos sem títulos. Em 1954, o clube venceu o campeonato paulista, contra o Palmeiras, e só voltou a conquistá-lo em 1977, enfrentando a Ponte Preta. Do Rui Rei, lembra? Mas venceu a Taça Brasil, em 1976.
         Isso pode explicar por que o Corinthians é o único time que viu aumentar a sua torcida justamente quando não conquistava títulos. Se o clube não fosse notável ou tivesse o seu jejum de títulos noutra época, esse fenômeno não teria acontecido. Além de ser um time potencialmente forte, começou a acumular derrotas justamente num período romântico. Quando os homens, meninos e rapazes em geral, estavam se identificando com super-heróis como Superman, Homem Aranha, Capitão América, Batman, Fantasma. Aqueles que sofrem muito antes de vencer os mais cruéis inimigos. Alguém já disse que as vitórias do Corinthians são as mais sofridas?
         Nessa época, não era estimulante torcer por um time que estivesse ganhando. O interessante era o contrário: torcer por um time que estivesse perdendo. Assim, dava-se vazão à fantasia de ser o salvador, o justiceiro, o defensor dos fracos e dos oprimidos.
         O prazer de ainda não vencer, de se ver um mártir preste a ser glorificado era tão grande que se esqueciam de um Torneio Rio-São Paulo que o Corinthians conquistou em 1966, empatado com outros três times. E durante esse período foram cinco vice-campeonatos paulistas (55, 62, 66, 68 e 74).
         Os torcedores que chegaram aos anos 60 já com um time no coração permaneceram com quem estavam. Mas os meninos que deixaram para escolher o seu clube nessa década ou na posterior, esses meninos dificilmente deixaram de ser corintianos. Cerravam fileiras por um ideal. Eram os Irmãos Coragem. Jerônimo, o herói do sertão. Derrotas não os desanimavam. A cada vice-campeonato paulista, o número de corintianos se multiplicava.
         Aqueles que chegaram aos anos 60 já corintianos, esses então sentiam-se os verdadeiros heróis. Corintiano roxo, dizia o meu tio Etelvino. Exibiam a sua fidelidade romântica. De quem não abandona o barco. Se nos períodos realistas, o homem é movido por interesses; nas épocas românticas, os homens são levados pelos sentimentos. Bons tempos!
         Nos anos 90, quando esquecemos o militarismo, o autoritarismo e a censura; quando o Muro de Berlin estava desconstruído e os estudantes abandonaram as ruas para cuidar de suas vidas particulares; tudo voltou ao normal. O São Paulo somou dois títulos mundiais interclubes, duas Libertadores da América, duas recopas sul-americanas, uma Supercopa da Libertadores, uma Copa e uma Supercopa da Conmebol, um Campeonato Brasileiro e três títulos paulistas, consequentemente a sua torcida foi a que mais cresceu. Chegou até a se descaracterizar. Deixou de ser o time dos mauricinhos do Morumbi.
         Qualquer clube grande que permanecesse na fila por mais de dez anos, nas décadas românticas do século XX, veria a sua torcida se multiplicar. Quem, nos Anos Rebeldes, não gostaria de ser um super-herói?