Contos

Dalton Trevisan

MINHA VIDA MEU AMOR

Olha minha vida meu amor
Há muito não és mais meu
Toda a loucura que fiz
Foi por você
Que nunca me deu valor
Por isso perdeu tua mulher
E teus filhos
Não posso com esta cruz
Acho muito pesada João
Você vem me desgostando
A ponto de me pôr no hospício
Uma vez conseguiu
Mas duas não
Aqui ô babaca
De tuas negras
Que nem os filhos se interessou
De batizar na igreja
Você só vai no bar do Luís
Outro boteco não achou
Mais perto da tua família
Só me operei que você obrigou
Agora não presto
Já não sirvo na cama?
Quis fazer de mim
A última mulher da rua
Mas não deixei
Por tua causa amor
Eu morro pelada
Abraçada com os dois anjinhos
No fundo do poço
Amor desculpe algum erro
E a falta de vírgula

FOLHA DE SÃO PAULO, 27/11/1983.

1. A respeito do texto de Dalton Trevisan, assinale a alternativa incorreta.
a) O eu epistolar tem passagem por hospício.
b) O fato de João frequentar boteco não era problema para a esposa; a queixa era pelo abandono, o bar do Luís era longe de casa.
c) Há elipse da palavra “tempo”, no segundo verso.
d) O primeiro verso compõe-se de vocativos.
e) O segundo verso significa apenas que ela não o ama mais.

2. No oitavo verso – “Não posso com esta cruz” – temos
a) antonomásia, circunlóquio e metáfora.
b) circunlóquio, metáfora e perífrase.
c) hipérbole, metáfora e síntese.
d) metonímia, perífrase e síntese.
e) antonomásia, hipérbole e metonímia.

3. Em acordo com o texto de Dalton Trevisan, aponte a alternativa incorreta.
a) Dalton Trevisan, o autor, é paranaense, por isso, somado à linguagem do texto, supõe-se que a personagem protagonista também o seja.
b) Em vários trechos, há uso indevido da segunda pessoa. Isso é comum nas regiões do sul do Brasil e também nos textos de pessoas que não têm o hábito de escrever e alteram sua linguagem quando o fazem, como se cumprissem uma exigência do texto escrito.
c) O texto pertence ao gênero epistolar.
d) O verso “só me operei que você obrigou” significa que a personagem sofreu uma cirurgia contraceptiva e essa cirurgia deixou marcas em seu corpo.
e) Trata-se de um poema em prosa; de um poema em forma de carta.

4. Nos dois últimos versos – “Amor desculpe algum erro / E a falta de vírgula” –, o eu epistolar se dirige ao interlocutor com o substantivo pronominado “Amor”. Esse recurso comunicativo com que nos referimos a alguém por algum aspecto do relacionamento chama-se
a) anacoluto
b) antonomásia
c) hipálage
d) homonímia
e) paronomásia

5. ANÁLISE MORFOLÓGICA. “Por tua causa amor / Eu morro pelada / Abraçada com os dois anjinhos”. Encontre a alternativa incorreta.
a) “anjinhos” é substantivo concreto.
b) “com” é conjunção.
c) “dois” é numeral cardinal.
d) “pelada” é adjetivo.
e) “tua” é pronome possessivo.

6. ANÁLISE SINTÁTICA. “Por tua causa amor / Eu morro pelada / Abraçada com os dois anjinhos”. Aponte a alternativa incorreta.
a) “Abraçada” é predicativo do sujeito.
b) “amor” é vocativo.
c) “com os dois anjinhos” é adjunto adnominal.
d) “morro” é verbo intransitivo.
e) “Por tua causa” é adjunto adverbial de causa.

7. O eu da epístola pede desculpas pela “falta de vírgula”. Destaque o verso, dentre o quinto ao nono, em que a vírgula se faz necessária.
a) Que nunca me deu valor
b) Por isso perdeu tua mulher
c) E teus filhos
d) Não posso com esta cruz
e) Acho muito pesada João

       Contou e me deu mil paus.
       - Pô, cara. Só isso? Tá com toda essa grana. E eu levo só isso?
       Daí ele:
       - Ah, quer mais?
       E apontando o 38.
       - Um teco na tua cara de bundão?
       Se é assim. Peguei o dinheiro, meti no bolso e vim pra casa.
       Três dias depois, lá pelas quatro da tarde. Eu tava chegando, com uma nota de 50 dobradinha na meia, tudo o que sobrou depois de acertar umas contas. Quando vi passar um carro cinza. Passou como se não fosse nada.
       Parou na esquina e desceu um tipo de chapéu e bigode. Ficou sondando por ali. Pô, que tanto olhava pro meu lado? E pensei: “O que será que é? Não fiz nada errado.”
       Ele cresceu assim direto e deu voz de prisão. Ainda perguntei:
       - E preso por quê? Posso saber?
       Disse que havia feito um assalto no posto de gasolina. Logo eu, que tava limpo. Como sabia que não fui eu, achei que não tinha perigo.
       - Tá bom. Se tá dizendo que fui eu.
       Me rindo por dentro.
       - Então fui eu.
       Até assinei uns papéis lá. E me deixaram ir embora.
       Fiz amorzinho com a menina. Daí contei pra ela, que me beijou, gostosa:
       - João, você é um puto bacana!
       Em casa foi a vez da Maria. Depois acendi um cigarro, falei dos papéis. Ela sacudiu a cabeça:
       - Sabe, João? Acho que você fez uma grande burrada!
       E explicou direitinho. Caiu a cara. Cê tá fudido, ó bacana.

(Trecho do conto O Grande Assalto, de Dalton Trevisan)

8. Em acordo com o excerto acima, aponte a alternativa incorreta.
a) A expressão “caiu a cara”, no último parágrafo do excerto, significa que Maria ficara triste com o episódio do policial do carro cinza.
b) Em todo o excerto, o narrador usa uma linguagem popular, mas, no décimo segundo parágrafo, usa o verbo auxiliar haver, próprio da linguagem culta, em lugar do verbo ter. Certamente, porque, nesse momento, reproduz um trecho da fala do policial.
c) O trecho “Não fiz nada errado”, do nono parágrafo, demonstra que, para João, o assalto à “loja toda envidraçada” desaparecera no passado. No presente, “tava limpo”, como afirma no décimo segundo parágrafo.
d) Podemos inferir que, para o policial, não tinha importância se João havia realmente assaltado o posto de gasolina. Ele apenas precisava de um culpado para justificar seus rendimentos.
e) Segundo Maria, João provavelmente seria usado como “bode expiatório”.

9. ANÁLISE MORFOLÓGICA. “Parou na esquina e desceu um tipo de chapéu e bigode”. Encontre a alternativa incorreta.
a) “e”, de “chapéu e bigode”, é conjunção aditiva.
b) “esquina” é substantivo.
c) “na esquina” é locução adverbial de lugar.
d) “tipo” é adjetivo.
e) “um” é artigo indefinido.

10. O último período do excerto, “Cê tá fudido, ó bacana”, é característico da linguagem
a) coloquial.
b) culta.
c) erudita.
d) popular.
e) sofisticada.

11. A respeito do excerto acima, assinale a alternativa incorreta.
a) O advérbio de lugar “lá”, do décimo sexto parágrafo, refere-se à delegacia.
b) A última expressão do excerto nos permite concluir que a Maria sabia da “menina” e a ironizou.
c) João sabia que não tinha sido ele, no décimo segundo parágrafo, porque assaltara “uma loja toda envidraçada”, não um posto de gasolina.
d) No décimo parágrafo, o termo “cresceu” que significar o movimento de aproximação.
e) O trecho “foi a vez da Maria”, do décimo nono parágrafo, informa que João também falou do policial e dos papéis para a Maria.

12. No período “Como sabia que não fui eu, achei que não tinha perigo”, do décimo segundo parágrafo, temos uma incorreção na concordância dos tempos verbais, porque o tempo em que João achou que não tinha perigo é passado do tempo presente da narrativa, e o tempo em que acontece o assalto ao posto de gasolina é passado do tempo em que ele achou que não tinha perigo, por isso, para corrigir o período, devemos reescrevê-lo da seguinte forma:
a) Como sabia que não fora eu, acho que não tinha perigo.
b) Como soubesse que não fui eu, achei que não tinha perigo.
c) Como sabia que não havia sido eu, achei que não tem perigo.
d) Como soubesse que não fui eu, acho que não tinha perigo.
e) Como sabia que não tinha sido eu, achei que não tinha perigo