Sentimento do Mundo
Carlos Drummond de Andrade
Drummond + Sentimento do Mundo
Dez anos depois de ter publicado os versos “mundo mundo vasto mundo, / mais vasto é meu coração”, Drummond recuou: “Não, meu coração não é maior que o mundo. / É muito menor. / Nele não cabem nem as minhas dores. / Por isso gosto tanto de me contar. / Por isso me dispo, / por isso me grito, / por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:" para me livrar dos sentimentos que não cabem em mim.
Uma guerra não pode ser inutilmente. É lamentável demais para ser ignorada. Bem menos uma segunda guerra mundial. Além de grande, é reincidente. Drummond se deu conta então de que o mundo era bem maior que a dimensão concebida em 1930. A diversidade antropológica, religiosa, filosófica, política, ideológica se multiplicou aos olhos do poeta e o multiplicou.
Os sentimentos do mundo cresceram tanto dentro de Drummond que seu coração ficou pequeno: “Nele não cabem nem as minhas dores”. Drummond transbordou, viu a necessidade de se publicar, “por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias: / preciso de todos” para ter a quem recorrer.
Nas notícias da Segunda Guerra chegavam o inesperado e o irrefletido. Quando nos deparamos com o impensado, com o surpreendente, temos que rever todas as nossas convicções. Qualquer informação nova não foi considerada nas conclusões anteriores. O século 20 foi tão veloz e transformador justamente porque as grandes guerras modificaram demasiadamente as pessoas, as suas certezas.
As guerras nos deixam perplexos. Depois de tanta brutalidade, que pode nos causar espanto? “Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. / Tempo de absoluta depuração. / Tempo em que não se diz mais: meu amor. / Porque o amor resultou inútil. / E os olhos não choram. / E as mãos tecem apenas o rude trabalho. / E o coração está seco” (“Os ombros suportam o mundo”).
O tamanho das coisas é proporcional ao conhecimento que temos delas. Quando publicou seu primeiro livro, “Alguma Poesia”, em 1930, Drummond tinha 28 anos de idade. Com o advento da Segunda Guerra mais dez anos de experiência e outros 54 poemas publicados, o poeta percebeu um mundo bem mais amplo: “Tu sabes como é grande o mundo. / Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão. / Viste as diferentes cores dos homens, / as diferentes dores dos homens, / sabes como é difícil sofrer tudo isso, / amontoar tudo isso num só peito de homem... / sem que ele estale”, sem que ele estoure.
Ainda no poema “Mundo Grande”, do livro “Sentimento do Mundo”, de 1940, Drummond quer saber: “Renascerão as cidades submersas? Os homens submersos – voltarão?”. O poeta, apesar do abatimento e da fraqueza, acredita que uma vida assim tão antiteticamente frágil e imperativa, inundada de ódio e amor, pode resistir e se reinventar: “...alguns se salvaram e / trouxeram a notícia / de que o mundo, / o grande mundo está crescendo todos os dias, / entre o fogo e o amor [entre a guerra e a ternura]. / Então, meu coração também pode crescer. / Entre o amor e o fogo, / entre a vida e o fogo [entre a vida e a morte], / meu coração cresce dez metros e explode [não é fácil]. / – Ó vida futura! [não é fácil, mas] Nós te criaremos.”
O embate do homem contra a ignorância e a estupidez valoriza e dá sentido à nossa existência: “Outrora viajei / países imaginários, fáceis de habitar, / ilhas sem problemas, / não obstante exaustivas e convocando ao suicídio”. Porque temos muito que fazer. Estamos comprometidos com os nossos ideais. O amor, por exemplo, é problema nosso.