educação

INFÂNCIA NA INFÂNCIA

         O Governo Federal, através do Ministério da Educação, começou a implementar, em 2004, um programa de ampliação do ensino fundamental para nove anos. Em vez de estudar até a oitava série, os alunos estudam até o nono ano, porém, não sairão com mais idade do ensino fundamental, ao contrário, entrarão com menos: em 2010, as crianças com seis anos de idade ingressaram, obrigatoriamente, no primeiro ano do ensino fundamental e não mais na pré-escola.
         Esse caminho, de pautar projetos procurando qualidade na quantidade, já é longo na educação brasileira. E justifica-se nas dimensões deste país. Uma educação democrática, no Brasil, é necessariamente numerosa. Esse norteamento por quantidades, no entanto, pode nos levar a disfunções sociais desagradáveis, dramáticas e até trágicas.
         As crianças aprendem nas circunstâncias em que se envolvem naturalmente. Numa sequência de movimentos, identificam, comparam, acionam músculos e nervos, tocam a realidade. As crianças precisam de um tempo para se ajustarem ao mundo a que estão chegando. Ganham noção de distância, peso, tamanho, volume, densidade, textura, temperatura. Depois desse período, elas podem artificializar o seu dia a dia. Ter hora para almoçar, brincar, assistir à televisão, dormir. Quando se sentem ajustadas à realidade, as crianças passam a ter outras necessidades, por exemplo, de ler e de escrever.
         As crianças, contudo, precisam estar prontas para aprender a ler e escrever. É necessário que tenham encerrado a fase anterior para que o processo de alfabetização não seja um perturbador da ordem natural do indivíduo.
         Cada criança tem o seu próprio tempo. Não existe uma idade predeterminada para que se passe de uma fase a outra. Melhor seria se cada criança pudesse optar pela idade em que se incluiria num programa de alfabetização. Que os pais pudessem resolver, com os filhos, qual a melhor idade para abandonar as circunstâncias naturais e se colocar num mundo adulto e sistematizado. Os responsáveis pela educação pública deviam dar uma idade máxima para ingresso na escola, não uma idade mínima.
         São muitos os exemplos de crianças que tiveram sua infância mutilada por conta de receios, ambições ou tragédias e não conseguiram compensar as carências advindas de uma infância insuficiente. O cantor norte-americano Michael Jackson, por exemplo, começou a fazer sucesso, discos e shows aos cinco anos de idade. Quando conquistou sua independência financeira e dos pais quis reaver sua infância.
         Construiu um parque de diversões em sua casa, na Califórnia, e para lá trazia crianças a fim brincar. Pedofilia? Não sei, mas sei que sofreu uma carência profunda justamente porque não teve as mesmas oportunidades de uma criança comum para brincar, jogar, quebrar, brigar, xingar, bater, apanhar, comparar, perdoar, fazer e desfazer pequenas saudades.

INFORMAÇÕES DEMAIS

         “Estou cansado de estudar”. Já ouvi essa frase de muitos alunos da terceira série do ensino médio de várias escolas. Encheu, encheu, encheu. A memória não comporta mais informações. Desde os primeiros anos de vida recebendo e acumulando dados. São informações demais e conclusões de menos.
         Está difícil. Os gerentes da Educação não conseguem praticar a ideia segundo a qual memória não é almoxarifado: a memória é o espaço reservado às informações necessárias para as equações em desenvolvimento. Alguém tem que disponibilizar informações para o pensamento e quem o faz é a memória. Mas apenas as informações em uso. Para as equações de depois, buscaremos as informações pertinentes quando se fizerem necessárias.
         A escola existe para que o aluno desenvolva o seu modelo de pensamento. Pensar, pensar, pensar. O aluno precisa desenvolver sua capacidade de pensar. Quando não existia a internet, a escola oferecia e esclarecia as informações. Hoje, no entanto, as informações estão todas disponíveis e os alunos são menos dependentes, são mais autodidatas. O ensino alcançou uma qualidade em que os professores têm a oferecer apenas aquilo que as máquinas não podem: conclusões lógicas a partir das informações disponíveis. Como chegar a essas conclusões, essa é a questão, esse é o ofício do educador.
         Mas as crianças saem do útero para a escola e só ouvem não pode, não pode, não pode e tem de ser assim. São massificadas, generalizadas, descaracterizadas. O objetivo factual dos pais e das escolas é exterminar a individualidade. Para não perderem o controle, claro. Não é fácil lidar com indivíduos. Os mesmos dados para todos os cérebros na mesma idade e as mesmas respostas para as mesmas perguntas.
         Esses alunos, quando chegam ao ensino médio, estão saturados. A memória já está regurgitando. Quando chegam à faculdade, descansam no primeiro ano ou durante todo o curso superior. Festas em repúblicas de segunda a quinta. Na sexta, vão para casa. Dormir. Depois de mais uma festa. Enquanto a qualidade dos cursos universitários cai assustadoramente.
         O volume de informações disponíveis cabe num cérebro, mas não cabe numa memória. O mundo multiplica informações constantemente. Quem consegue ler todos os livros? Foi-se o tempo das pessoas inteligentes, repletas de informações; chegou o tempo das pessoas conscientes, com respostas lógicas, resultadas de um enredamento de informações interdisciplinares. Os alunos estão ansiosos por uma escola menos enciclopédica.

CÉREBRO DE PAPAGAIO

         A Educação, espantosamente, ainda se apoia na quantidade de conteúdos. Isso é inaceitável. Se o século 20 foi da carroça ao concorde, o século 21 alcançará um volume de conhecimentos até agora inimaginável. O que esses elaboradores de exames vestibulares esperam? É muito conhecimento para um cérebro só. Mais ainda para o cérebro de uma criança ou adolescente.
         Os estudantes, vítimas da tirania dos intelectuais da Educação, já mostram o próprio desespero e dos pais. Naturalmente, a maioria dos estudantes está jogando a toalha. Os adolescentes não suportam tanto esforço. As crianças estão perdendo o tempo que usavam para brincar e desenvolver gostosamente habilidades intelectuais e mecânicas para gastar a memória com um mundo de informações que certamente vão abandonar num quarto de despejo. Jovens deixam de evoluir em suas relações familiares, sociais, sexuais para só estudar. Não conversam com os pais porque estão cansados (e irritados) ou não têm tempo de. Não saem com os amigos para praticar a tolerância às diferenças humanas porque têm prova na segunda-feira. Não podem namorar porque têm de passar no vestibular e terminar uma faculdade. Deixam de fazer o que têm vontade de para cumprir a extensa e recheada programação escolar determinada pelo Conselho Nacional de Educação.
         Os alunos que estão cumprindo ou acompanhando o ritual exigido pelos vestibulares – aulas, revisões, leituras e exercícios de fixação – estão sacrificando infância, adolescência e juventude para satisfazer os “educadores” que ainda não entenderam que não é preciso memorizar um dicionário; é preciso somente aprender a manuseá-lo. Cérebro é para pensar; não para memorizar. Máquinas e papéis arquivam e disponibilizam informações eficientemente.
         Os pais ficam desesperados, suspeitam ou concluem que seus filhos são inferiores ou deficientes, procuram analistas e médicos quando simplesmente seus meninos, na maioria dos casos, estão apenas se recusando a se submeter ao massacre psicossocial deflagrado pelo sistema de ensino e avaliação do Estado.
         Isso me lembra do método soviético de formação de atletas. Isolavam crianças e determinavam a elas uma rotina intensa de treinos exclusivos com o fim de carrear todas as energias do futuro atleta para um só objetivo: uma modalidade esportiva. Resultado: normalmente a criança se tornava uma medalhista olímpica, mas só. Não sabia fazer mais nada além do esporte que praticou em toda a sua vida. Quando precisou e quis, não sabia amar nem ser amada.

HABILIDADES, CAPACIDADES E COMPETÊNCIAS

         Nascemos com várias habilidades e as aperfeiçoamos. Algumas não têm valor cultural ou profissional, por isso as abandonamos logo. Outras são economicamente interessantes. A menina é excelente nos cálculos! O rapaz é bom com as palavras! Essas, tratamos de ampliar e intensificar suas possibilidades.
         Ter habilidades interessantes e desenvolvidas, no entanto, não é o bastante. Temos de saber usá-las nalguma produção de bem ou serviço. Há sujeitos que organizam excelentes e oportunas soluções administrativas, mas não conseguem empreender, não têm coragem para assumir uma empresa ou inaugurar seu próprio negócio, ou seja, tem habilidade mas não tem capacidade. Não é capaz de usar as habilidades interessantes que desenvolveu.
         Se as habilidades dependem de técnicas, articulação e força; as capacidades dependem de fatores psicológicos. De coragem, segurança e autoestima, por exemplos.
Ter habilidades aperfeiçoadas e ser capaz de usá-las, contudo, também não é o suficiente. O indivíduo tem de ser competente. Suas habilidades e capacidades têm de ser tão ou mais desenvolvidas que as habilidades e capacidades dos profissionais concorrentes.
         “Competentes” significa aptos a competir. Suas habilidades e capacidades têm de estar no nível, no ritmo e na aceleração exigidos pelos mercados.
         No desenvolvimento das habilidades e capacidades, o indivíduo supera seus próprios limites. No desenvolvimento das competências, porém, o sujeito tem de superar os limites dos competidores.
         Nas escolas, as habilidades são despertadas e desenvolvidas no ensino fundamental, por meio de desenhos, construções, jogos, leituras, escritas. As competências são estimuladas no ensino médio, quando os alunos têm acesso às histórias: da Química, da Física, da Literatura, da Geografia, da Matemática, da Biologia e da própria História. Redação e Gramática são extensões do desenvolvimento de habilidades iniciado no ensino fundamental.
         As capacidades, todavia, não têm seu espaço próprio nas escolas. São desenvolvidas facultativamente e quando sobra tempo. O aluno é obrigado a ler e escrever (habilidades), a resolver rapidamente questões matemáticas e interpretar sociologicamente fatos recentes (competências), mas tem o direito de não se expor, de não ler um texto para a classe, de não expressar suas opiniões para a turma, não há cursos de canto ou de oratória, raras instituições mantêm cursos de teatralização.
         Os cursos que desenvolvem conversações usando outros idiomas são importantíssimos para que o indivíduo controle o medo de expor seus limites. Minha trisavó já dizia: quem tem medo de mostrar seus defeitos não tem coragem de exibir suas qualidades. Também os cursos de balé e circo são fundamentais para que o estudante se solte e amplie sua área de atuação e influência.
         Bloqueios de ordem social como a timidez e a desconcentração podem ser atenuados e até eliminados em cursos de teatralização. No teatro-escola, o ator-aluno usa e exercita simultaneamente a percepção, a exposição e a memória, isto é: percebe a presença e o interesse do público e a própria atuação; expõe o seu trabalho com a personagem; e mantém acesa a memória, que lhe oferece o texto e as técnicas e representação.
         As famílias economicamente bem postadas frequentam seus filhos nesses cursos, em escolas particulares, mas falta ainda ao Estado democratizar também as capacidades.

APRENDENDO A LER

         No fim do primeiro ciclo do ensino fundamental, dizem que a criança está alfabetizada, isto é, já sabe ler e escrever, mas podemos repensar esse conceito. Na verdade, a criança aprendeu um processo de decodificação alfabética, mas não propriamente a ler. Uma leitura implica a decodificação alfabética e a compreensão do enunciado decodificado. Uma pessoa pode ler a uma plateia um texto complicadíssimo, totalmente especializado, e não compreender uma só frase.
         Gastamos nossas vidas aprendendo a viver, inclusive aprendendo a ler. Ideias comuns exigem textos simples, mas conceitos complexos requerem textos sofisticados. E textos complexos usam uma quantidade incomum de palavras desconhecidas do grande público leitor. Empregam termos que até com a ajuda de dicionários não são facilmente traduzidos. Vocábulos como estética, bucolismo ou dialética tornam-se claros apenas numa convivência, estreita. Numa intersecção de um montante de leituras e interpretações.
         A linguagem erudita busca a precisão, a exatidão e por isso usa termos popularmente desconhecidos. Dizer que a herança psicogenética perfaz os arcabouços os quais denominados neurônios, dos quais saem as determinações para a delineação física do indivíduo e a eles chegam as informações adquiridas ininterruptamente pelos sentidos, informações tais que se alojam organicamente nas faces internas neuronais é dizer para poucos. Para aqueles que já leram o suficiente para compreender tal enunciado, porque a linguagem erudita exige o domínio de um determinado léxico cujo significado não está nos dicionários. Está na compreensão de fenômenos raros.
         Antes de alcançar esse tipo de leitura, no entanto, podemos nos acostumar aos textos sofisticados. Eles não buscam a precisão da linguagem erudita, mas querem a originalidade e a concisão. Dois obstáculos contra uma leitura fácil. Os textos originais demandam certa prática na distinção de personalidades, no conhecimento do outro, no distanciamento de si mesmo. Os textos concisos, por sua vez, exigem o desdobramento conclusivo, a reconstrução do caminho percorrido pelo autor até a sintaxe final. Isso não é possível sem conhecimento histórico, principalmente da história do pensamento.
         A linguagem culta é apenas correta. Não quer exatidão, originalidade nem concisão. Os periódicos (jornais, revistas) são suficientes para desenvolver a norma culta. Essa linguagem é aquela que usamos para escrever na escola, diferente da linguagem que usamos para falar. A fala permite correções dentro do próprio discurso e também incorreções (desde que não prejudiquem a comunicação).
         Mais acessível é a linguagem popular. Nela estão gírias, jargões, clichês, sintaxes básicas de relações sociais. Textos compostos com linguagem popular podem ser um bom começo, mas estão longe de atestar a capacidade de ler do indivíduo.

GERAÇÃO RITALINA

         O Conselho Nacional de Educação avalia o projeto do MEC que aumenta a carga horária mínima do ensino médio de 2,4 mil horas anuais para 3 mil. O objetivo dos pedagogos é inserir novas disciplinas e acrescer o volume de conhecimentos.
         As crianças já estudam o dia inteiro e também já não suportam o peso da mochila nas costas. Alguns especialistas aconselham aquelas com rodinhas, outros dizem que essas desviam a coluna. Que fazer? Não podemos pensar numa educação com menos quantidade e mais qualidade; menos enciclopédica e com alguma profundidade?
         Os alunos que têm tempo, bons professores e disposição para enfrentar um exame vestibular a fim de uma vaga universitária das mais concorridas, esses se convencem de que não há mais nada a fazer e se isolam com suas apostilas, livros e periódicos. Os outros, a supermaioria dos estudantes brasileiros, aqueles que não têm o perfil exigido pelos vestibulares, ou não estão dispostos a trocar os prazeres próprios da juventude pelas apostilas, ou não têm saúde suficiente para estudar dez horas por dia, esses desenvolvem gastrites, úlceras e se arrebentam na queda da autoestima.
         Os pais, desesperados com as notas baixas, procuram assistência médica. O diagnóstico é simples: seu filho tem dislexia ou apresenta déficit de atenção (hiperatividade). A receita? Ritalina. Márcia Itaborahy – Mestranda do Instituto de Medicina Social da UERJ constatou que, entre 2002 e 2006, a produção brasileira de metilfenidato (Ritalina) cresceu 465%.
         O problema não é o médico ou o medicamento. O uso apropriado da Ritalina tem apresentado bons resultados. A questão está na aplicação do remédio contra os sintomas de uma educação equivocada. O déficit de atenção não é uma deficiência desenvolvida pelo aluno. Em muitos casos é um aviso de que a Educação oferecida não é adequada à maioria dos estudantes. Os alunos com notas baixas somados aos evasores compõem a escandalosa maioria dos matriculados no ensino médio das escolas públicas. Déficit de atenção, indisciplina, indisposição para as tarefas de casa, notas baixas, evasão escolar podem ser um alerta de que a capacidade de memorização alcançou seu limite.
         Estamos usando a memória indevidamente. Ela não tem de receber e reter um mundo de informações por um tempo indefinido. A memória tem de ser apenas capaz de manter à disposição do raciocínio os dados pertinentes a uma determinada equação. Depois de alcançar uma conclusão, dispensamos as informações. Para guardá-las, temos papéis e máquinas.

AS FUNÇÕES DOS VESTIBULARES

         Além de selecionar os candidatos às vagas universitárias, o vestibular determina o conteúdo e as abordagens de conteúdo no ensino fundamental e médio.
         Houve a época em que os vestibulares queriam saber se os candidatos haviam lido os livros da lista obrigatória. Por isso elaboravam questões memorativas sobre elementos dos cenários, causas e consequências de ações de personagens, ou ainda sobre fatos e condições que compõem as tramas.
         Os professores de línguas e literaturas do ensino fundamental e médio, então, propunham as leituras e preparavam suas avaliações perguntando, por exemplos, quem foi o responsável pela morte de Lampião ou em que região do Brasil viveu Antônio Conselheiro.
         Nos últimos anos, porém, os vestibulares não se mostram mais tão preocupados com saber se o candidato leu ou não as obras. Elas deixaram de ser leitura obrigatória para ser leitura sugerida, porque as questões têm sido mais interpretativas que memorativas. Os livros são apresentados como instrumentação para a prática interpretativa. Os vestibulares querem saber se o aluno desenvolveu sua capacidade de ler, inclusive textos menos simples, sofisticados.
         E se o vestibular mudou, consequentemente o ensino fundamental e médio também. As questões nas provas mensais ou bimestrais de literatura são predominantemente interpretativas.
         A inquestionável maioria dos alunos e professores só lê os livros da lista obrigatória ou sugerida porque eles estão presentes direta ou indiretamente nas provas de vestibular. Ainda é preciso dizer que, se as avaliações de acesso à Universidade retirassem suas listas de livros, eles seriam abandonados pelo ensino fundamental e médio?
         Existem exceções, mas o mundo não sobrevive com exceções. Em qualquer lugar do planeta voga a lei do menor esforço. Há prioridades; o tempo sempre é curto.
         Hélio Schwartsman, colunista da Folha de S. Paulo, publicou a respeito o artigo “O dilema da redação”  (07/12/2012). Nele, escreveu: “Ao incorporar a redação [ao vestibular], acabamos introduzindo novos e indesejáveis elementos de aleatoriedade à prova. Por mais justo que o corretor tente ser, detalhes como uma letra feia e até baixos níveis de glicose no sangue do avaliador tendem a reduzir a nota do aluno. Vale a pena? Eu penso que não, pois existe uma correlação grande, ainda que não perfeita, entre o desempenho nos testes objetivos e a capacidade de escrever bem”.
         A opinião do colunista, no entanto, considera apenas o presente da questão. Despreza completamente o passado e o futuro. Essa “correlação (...) entre o desempenho nos testes objetivos e a capacidade de escrever bem” existe justamente porque houve (passado) cursos de redação para que os alunos menos talentosos se aproximassem tecnicamente dos demais candidatos com sua capacidade de escrever. Esses cursos não existiriam se os exames vestibulares não incorporassem a redação.
         A exigência da produção de textos nos vestibulares aperfeiçoa a correção juntamente com a equiparação das redações; e a influência do texto produzido na nota final do candidato exige (futuro) de professores e alunos o desenvolvimento técnico da escrita.
         Ainda é preciso dizer que se os vestibulares não exigissem a produção de textos, os exercícios de redação seriam abandonados ou marginalizados pelo ensino fundamental e médio?
         Noutros tempos, escrevia quem tinha talento. A arte de escrever era apropriada a poucos. A humanidade, contudo, se desenvolveu. Hoje não somos mais dependentes de uma condição genética ou cultural, ou de um instante de inspiração. Todos podem escrever em qualquer momento. Tecnicamente. Parodiando os navegadores renascentistas portugueses: escrever é preciso. Escrever se aprende na escola.
         Os institutos elaboradores de provas de vestibular estão corretíssimos em sempre aumentar a participação da capacidade de ler e escrever na nota final do candidato. O que fundamentalmente distingue intelectualmente um indivíduo de outro é a sua capacidade de observação da realidade e a sua competência no uso dessa observação para a sua sobrevivência e evolução.
         Apreender a realidade por meio de imagens, sons, cheiros, sabores, impressões táteis e textos é o objetivo final. Aperfeiçoamos nossa capacidade de apreender a realidade para melhorar a qualidade da concepção que temos da vida e do mundo.
         Se o conhecimento é a matéria da escola e o alvo da existência humana, nada mais imprescindível que as ferramentas capazes de absorver e expressar esse conhecimento.

MEC NA CONTRAMÃO

         Desde que a escola existe, as disciplinas são ministradas isoladamente. O professor de matemática ignora ou despreza as outras disciplinas e simplesmente desenvolve e exercita as equações que se pedem nos exames públicos e vestibulares. O professor de Física, Biologia, História, idem.
         Existem, no entanto, os elos que nos levam ininterruptamente de uma disciplina a outra. A isto se deu o nome interdisciplinaridade. Há décadas, lemos e ouvimos propostas e defesas de tese em favor dessa intersecção das ciências, mas, infelizmente, ainda há mais vontade e menos capacidade.
         Um exemplo do que seja essa interdisciplinaridade: se uma linguagem tende ao reducionismo (do Vossa Mercê ao cê) – Linguística –, isso se explica também pela altitude – Geografia – em que vive o povo que usa essa linguagem tendente à redução de palavras, expressões e frases. Euclides da Cunha, “Os Sertões” – Literatura –, disse que “O sertanejo... não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.” À beira-mar e nos trópicos, o ar é mais pesado e o desgaste físico é maior. Naturalmente, as pessoas economizam energia fisiológica, inclusive na fala.
         O Comércio – Economia –, numa cidade litorânea, abre suas portas mais tarde que numa cidade mais alta. Porque os habitantes das cidades mais baixas têm de dormir mais horas – Neurologia – para que seus cérebros façam o mesmo serviço que os das pessoas que moram acima do nível do mar. Ou seja: podemos abordar todas as disciplinas a partir da condição litorânea.
         Além dos educadores e dos cientistas da Educação, o MEC também quer uma escola interdisciplinar, porém avança em direção a um ensino a cada vez mais conteudista. Aumenta a carga horária dos estudantes em função do crescente volume de informações científicas.
         Duas coisas que não se juntam. Uma escola fundamentalmente interdisciplinar só é possível com pouco conteúdo, porque é na raiz que as folhas se encontram. É no fundo, na origem, que todas as disciplinas tornam-se apenas uma. O excesso de informações nos leva necessariamente à superfície.
         No caso de um professor de Geografia, se ele pudesse gastar dez, vinte ou trinta aulas para estudar com seus alunos apenas o mapa da cidade onde trabalha, poderia alcançar um índice de profundidade satisfatório. Em vez de várias regiões do país ou do mundo, apenas uma. O conhecimento adquirido nesse espaço seria suficiente para estudante compreender qualquer outra região do mundo. “É na raiz que as folhas se encontram”.
         Depois de algumas aulas, as questões o levariam inevitavelmente à política, filosofia, gramática, sociologia, química, porque os alunos perguntariam a respeito da qualidade da água que passa pelo município, da nocividade dos poluentes, das consequências desse tipo de água no corpo humano, do perfil econômico adequado ao clima e ao relevo, da quantidade de chuva na região, da qualidade da terra. E do estudante.

ANTES, QUANTIDADE

         Sociologicamente, quando se resolve o problema quantitativo, surge a questão qualitativa e vice-versa. O Brasil, neste momento, vive o problema quantitativo. Precisamos de mais alunos nas salas de aula, de mais cursos profissionalizantes para adolescentes, de mais investimentos estrangeiros, de mais fiscalização contra os desmatamentos, de mais... de mais...
         Quando não tivermos mais crianças e adolescentes fora das salas de aula, quando os cursos profissionalizantes forem suficientes para dar uma profissão a qualquer cidadão com dezoito anos de idade, quando os investidores externos perceberem definitivamente que o nosso país está próximo de um clímax cultural e despejarem recursos euforicamente, quando o desmatamento se tornar tão absurdo quanto acender um cigarro dentro de um elevador lotado, então o nosso problema será qualitativo.
         Reformularemos esse sistema de ensino de informação (mais para papagaios que para pensadores), priorizaremos a qualidade dos professores profissionalizantes, teremos direcionamento para os recursos estrangeiros (menos especulativo e mais consequente), diminuiremos o índice de corrupção no sistema de fiscalização etc.
         Enquanto resolvemos o problema da quantidade, as empresas lidam numericamente com seus funcionários. Qualquer programa de treinamento é o bastante para trocar alguns empregados. Porque o mercado de trabalho não tem exigido – ainda – a qualidade própria de um país desenvolvido.
         Essa qualidade depende fundamentalmente dos consumidores. Se comemos ou bebemos qualquer coisa que nos põem à prateleira, se aceitamos qualquer tipo de educação para os nossos filhos, se as empresas telefônicas cobram por assinaturas de bens que nos pertencem, então qualquer mercadoria produzida por qualquer funcionário já é garantia de lucro para os empresários.
         Tanto que se tornou comum despedir os funcionários com mais tempo de serviço na casa por um novato: a empresa diminui o ônus trabalhista e ainda paga para o novo funcionário metade do salário que pagava ao demitido.
         As empresas com funcionários comissionados são ainda mais cruéis. Diminuem a porcentagem da comissão e quem não quiser que saia. E não têm a quem reclamar porque foram contratados como funcionários-empresa, terceirizados.
         A qualidade nacional está nivelada por baixo porque não resolvemos nosso problema quantitativo. Um país do tamanho do Brasil obviamente não o resolverá com facilidade. É muita fronteira pra fiscalizar. O déficit habitacional e o desemprego são trágicos.
         O cidadão brasileiro precisa investir mais em si mesmo, reclamar menos dos governantes (menos, não deixar de criticar) e mais de si próprios. O brasileiro precisa deixar de fazer o que “dá para o gasto” e melhorar por conta própria a sua qualidade profissional. As empresas com profissionais mais qualificados obrigam as concorrentes a qualificarem os seus. Assim se transforma um país. Cidadãos melhores para um país melhor.

A REALIDADE NÃO É A IDEAL

         Se não posso comer salada, arroz, feijão e carnes; um prato de arroz e feijão está bom demais. Esta metáfora serve para ilustrar o andamento das universidades no Brasil.
         Números do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão vinculado ao Ministério da Educação, apontam para um crescimento de alunos matriculados em curso de graduação em torno de 12% no ultimo biênio. Entretanto, 88% deste crescimento se encontram nas instituições particulares, que dominam o ranking das dez maiores universidades do país.
         A PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) 2006, pesquisa feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostra que, em 2006, 5,874 milhões de brasileiros frequentavam o ensino superior, cursos de mestrado e doutorado. O número representa um acréscimo de 13,2% em relação ao ano anterior. Apesar do crescimento de estudantes com maior nível de escolaridade, eles ainda representam apenas 10,7% do total de estudantes brasileiros. A pesquisa mostra que a grande maioria dos estudantes de 3º grau estava na rede particular de ensino (75,5%).
         Esse crescimento deve-se principalmente às reduções nos preços das mensalidades. Na UNIP, na UNINOVE ou na UNIBAN, que fazem parte do ranking das maiores universidades do país, é possível fazer um curso de graduação pagando entre 298,00 e 320,00 reais por mês.
         Por mais que machuque a sensibilidade ideológica da maioria dos professores, as escolas particulares são empresas e, como tais, buscam lucros. A concorrência entre as universidades particulares provoca uma melhoria significativa na qualidade dos professores e dos recursos didáticos, além da difícil tarefa de ter que encontrar o menor valor pelo melhor produto.
         O diferencial na educação brasileira das próximas décadas está justamente na expressão “melhor produto”. Já algumas escolas particulares oferecem centros de estudo e treinamento com acomodação e instrumentação bem melhores que muitas universidades públicas. Considerando a qualificação dos cursos que dependem basicamente de recursos materiais como laboratórios, som e imagem, já são muitos os alunos que optam por universidades particulares.
         O ideal seria que as prefeituras dessem conta do ensino fundamental, que os governos estaduais respondessem satisfatoriamente pelo ensino médio, e a administração federal pudesse oferecer a todos os brasileiros interessados cursos superiores de alta qualidade. Simplesmente para que o Brasil produza mais e melhor e dê a todos os seus cidadãos uma qualidade de vida digna.
         As universidades particulares, no entanto, se elas conseguem se manter e auferir lucros oferecendo bons cursos a quem pode pagar, que mal há nisso? Melhor para aqueles que não podem pagar pelo terceiro grau. Estamos diante de algumas vagas a mais, disponíveis nas universidades públicas.

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA

         É fácil perceber o crescimento de uma planta – um pé de manga, por exemplo – e ter a certeza de que, em poucos anos, teremos uma pequena sombra e frutas maduras. Menos fácil é perceber o desenvolvimento de uma criança e ter alguma certeza a seu respeito.
         O que sabemos sobre o que acontece dentro da nossa cabeça, infelizmente, ainda é muito pouco. Observamos o comportamento de um filho ou de um aluno e diagnosticamos um tanto das suas habilidades e capacidades, mas, normalmente, não sabemos em que direção está a progressão dessas potencialidades e aptidões e muito menos até onde pode chegar esse desenvolvimento.
         Não saber em que direção está a progressão de uma habilidade é o mesmo que participar do treinamento de um soldado e não saber em que tipo de missão ele será usado. E não saber até onde pode chegar o desenvolvimento de uma criança é o mesmo que estar numa estrada e não saber em que ponto ela termina ou será interrompida.
         Educar é como encher um pote com água de uma posição da qual não se pode ver o interior do recipiente. Colocamos vasilhas de água e não sabemos quanto já enchemos. O resultado do trabalho só aparece quando a água começa a transbordar.
         Do mesmo modo, um pai fala, corrige, dá conselhos, proíbe, instiga, orienta e não vê resultados satisfatórios. Desespera-se e, às vezes, descabidamente. Mais um tanto de palavras e atitudes adequadas e o menino estaria pronto. Limitado ética e moralmente e estimulado para uma vida de sucessos.
         Não é raro um pai reclamar apenas uma vez e já exigir do filho um comportamento exemplar. Ou esperar de um filho com cinco anos um comportamento apropriado a um homem de 30. Ou, ainda pior, querer do filho uma paciência que ele, aos 40 ou 50 anos, não tem.
         Quando avaliamos o desenvolvimento de uma criança, não podemos ter como referência um comportamento ideal, perfeito. Precisamos ter em mente o que essa criança pode nos oferecer nessa idade. E se ela demonstrar algum desenvolvimento, ótimo! O resto é pra depois. O pai que quer ser respeitado como pai tem de respeitar uma criança como criança.
         Quem não ouviu a frase “Já lhe disse isto mil vezes!”? Pois há fenômenos que devem ser explicados quatrocentas vezes e de quatrocentas formas diferentes para que sejam apreendidos intelectualmente. A educação é processo com inúmeras etapas, não é uma simples imposição de “verdades”. Já disse o meu amigo Padre Antônio Vieira, ainda no século XVII: “As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento.”.
          Educação exige tolerância, lucidez e persistência (as técnicas incluem-se na lucidez). Considerando que nem um criança é igual a outra, a referência de crescimento não pode ser outra criança nem uma criança ideal: deve ser ela mesma. Se o meu filho hoje é melhor que ontem, estamos indo bem.

EDUCAÇÃO GLOBALIZADA

         O mundo moderno – globalizado – inquieta as crianças e superestimula os adolescentes. O volume de opções, tentações, ideias, que é apresentado pelas circunstâncias sociais e pela mídia aos jovens possui uma qualidade inédita.
         Nunca se viram tantas soluções viáveis e diferenciadas para um mesmo problema. As mais diversas culturas das regiões mais periféricas do planeta estão à disposição dos estudantes. Desde como preparar carne de cachorro a esdrúxulas teorias a respeito da vida e da morte podem ser acessadas a qualquer momento.
         Essas facilidades do mundo digital, no entanto, só dificultam a educação dos filhos. Eles têm alternativas demais e os pais têm recursos de menos para construir os limites exigidos pela ética e pela moral. Bem menos fácil construir valores e limites quando as crianças estão tentadas por uma diversidade espantosa de produtos a serem experimentados.
         Um menino criado no sertão, sem os recursos tecnológicos oferecidos pela urbanidade, tem poucas referências e certamente o pai erige-se como a figura modelo para a satisfação das necessidades ideológicas do filho. Já o menino criado na metrópole, sem restrições aos aparelhos de produção e veiculação de informações, tem na figura paterna apenas uma referência entre milhões e, comumente, em meio a tantas possibilidades, o filho encontra outro modelo que mais se aproxima do seu perfil psicogenético.
         Os pais, por sua vez, têm recursos de menos para educar seus filhos uma vez que o mundo moderno ocupa quase todo o tempo dos chefes de família na busca de dinheiro. Se os pais trabalham pela manhã, à tarde e à noite e, nos fins de semana, fazem bicos para pagar a prestação da casa, que hora têm para conseguir alguns recursos educativos?
         E como se isso não bastasse para a configuração de um quadro temeroso nas relações pais e filhos, o início do século 21 apresenta outra característica desagradável para essa questão: o conhecimento valorizado neste período é apenas o conhecimento necessário e suficiente para a aquisição e acumulação de bens. O conhecimento que seria usado na construção de uma relação psicologicamente saudável entre pais e filhos, esse conhecimento está abandonado pela maioria da população desde o início do século 20.

EDUCAÇÃO MÍNIMA

         O governo brasileiro se propôs a cumprir as metas determinadas pelos organismos internacionais responsáveis pelos investimentos financeiros nas áreas sociais e, consequentemente, pela credibilidade internacional dos países em desenvolvimento diante dos investidores estrangeiros.
         Note-se que os fundos de investimentos internacionais, nos anos 90, assumiram e exigiram comportamentos neoliberais dada a constatação pelos países mais ricos de que os altos índices de pobreza comprometem a estabilidade política dos governos e, por tabela, a estabilidade econômica dos países desenvolvidos. Os países abastados sentiram a necessidade de capitalizar os setores privados dos países pobres com o fim de não permitir a estagnação do sistema capitalista.
         Compreendendo que um Estado grande não significa necessariamente um Estado forte, a ideia neoliberal para a redução da pobreza seria a diminuição do Estado para abaixar consequentemente seus custos e torná-lo mais eficiente. Explicam-se as privatizações.
         A educação, no entanto, tem um papel de destaque na redução da pobreza, e no processo de desenvolvimento econômico. Considerando as profundas transformações técnico-científicas, é necessário preparar a força de trabalho para as constantes transformações do mercado.
         Avaliando, neste século, a presença do Estado na educação, considerando as exigências neoliberais, o Brasil tem cumprido exemplarmente o que se propõe para um Estado mínimo e uma educação produtiva: reduziu o analfabetismo, enfatizou a educação básica, descentralizou a administração escolar e estimulou parcerias do setor público com o privado.
         Não podemos afirmar, contudo, que os resultados dessa obediência ideológica sejam os esperados pelos articuladores e realizadores. O governo paulista e o brasileiro, no processo de descentralização, têm apenas transferido funções. Do mesmo modo, as parcerias com o setor privado têm somente diminuído os gastos do setor público. Se uma das prioridades do neoliberalismo é ter um Estado mínimo para ter um Estado mínimo, os governos brasileiros têm caminhado bem, entretanto, se o neoliberalismo quer um Estado mínimo para ser mais barato e mais eficiente na realização de suas tarefas e aliviar o seu custo sobre as empresas nacionais que concorrem internacionalmente, esse fim não tem sido alcançado.
         O custo do Estado tem diminuído, sim, com as descentralizações e as parcerias, entretanto tem aumentado com as consequências de uma educação deficiente. Desemprego e subemprego geram transtornos sociais como a violência e o custo da saúde pública. A história tem-nos ensinado que um Estado não se torna menor com a diminuição de suas responsabilidades, mas, sim, com a eficiência no desempenho de suas obrigações. Antes de um Estado mínimo tem de haver um Estado forte, que pague sua dívida social para só então se ver livre dela.