Liverpool 4 x 0 Barcelona

O segredo está na configuração

       No primeiro jogo da semifinal entre Barcelona e Liverpool, Champions League 2019, aos 17 minutos do segundo tempo, Lionel Messi dá uma quase assistência a Arturo Vidal, que tenta um cruzamento improvável em vez de finalizar. O cruzamento é interceptado e o argentino reclama com o chileno: Chuta pro gol!

       No último lance da partida, um contra-ataque, Messi lateraliza a marcação e dá uma quase assistência a Ousmane Dembélé, que fica sozinho, no meio da área, de frente para o gol, mas desperdiça, chuta fraco nas mãos do goleiro Alisson. Messi desaba no gramado, desconsolado. Leva as mãos à cabeça e lamenta.

       O Barcelona vencia o jogo com três gols a zero. Certamente, muitos torcedores não entenderam o desconsolo do Messi. O argentino fez dois dos três gols e havia garantido uma vantagem espetacular para o jogo de volta. Por que não comemorar em vez de lamentar?

       No jogo de volta, em Liverpool, o Barcelona perdeu por quatro gols a zero e também a vaga para a final.

       Messi sabia da importância do quarto gol. Porque é adivinho? Não. Podia até ter vencido o segundo jogo, não é isso. É que não existe um placar impossível para o jogo de volta. Se é possível a um time fazer dez gols numa primeira partida, por que não seria possível ao adversário também fazer dez gols na próxima? Não são também noventa minutos? Por que caberiam dez gols nos noventa minutos de um e não caberia nos noventa do outro? Não existe placar impossível para o jogo de volta: se eles fizeram, nós também podemos.

       MESSI E CRISTIANO

       Para ser artilheiro, depende do tamanho do valor que se dá ao gol. Neymar faz menos gols que Messi e Cristiano Ronaldo porque dá mais valor ao drible. O valor que se dá ao gol oferece uma visualização mais bem definida da circunstância em que o tento se torna possível. O valor aumenta a quantidade de pixels da imagem da circunstância do objetivo a ser alcançado.

       Por que alguém se torna especialista e excelente nalguma atividade? Porque amplia o valor que atribui a tal atividade. Um valor significativo, denso e coeso faz de um sujeito um gênio.

       Um valor incomum, por sua grandeza, além de oferecer uma imagem em alta definição da circunstância do objetivo, ainda melhora a capacidade do atleta, porque transfere a ação do consciente para o inconsciente.

       O ato reflexo faz parte das ocasiões em que o valor atribuído a um determinado objetivo transfere a ação do consciente para o inconsciente. Um sujeito está dirigindo um automóvel, por exemplo, e se vê a menos de um segundo de uma colisão. Dado o valor absoluto que normalmente se dá à vida, nesse instante o inconsciente assume o controle dos movimentos.

       VIRADA

       O esgotamento psicológico se dá antes do fim da partida.

       A configuração e a aproximação de uma disputa provocam uma acumulação de energia. A configuração determina a quantidade de energia a ser disponibilizada e a aproximação do evento promove a concentração desse volume de energia.

       A configuração cerebral de uma disputa, então, é fundamental para que se tenha uma boa quantidade de energia até o fim da partida. Essa configuração compreende a importância do evento para o atleta. A importância da partida para o clube ou a quantidade de dinheiro em questão são menos fundamentais que os motivos pessoais do jogador.

       Uma configuração densa e coesa de combustível psicológico é capaz de gerar uma disposição surpreendente. Já uma configuração rarefeita e incoesa pode fazer o combustível psicológico acabar antes do fim do mata-mata.

       E, quando o combustível começa a minguar, inicia-se um movimento contrátil no cérebro do atleta – antes havia um movimento cerebral distrátil – quando se inicia o movimento de contração, não há mais nada a fazer senão agonizar, ou seja, empreender todo esforço para não permitir uma superaceleração dos movimentos contrativos.

       Num campeonato de pontos corridos, é comum as equipes subestimarem os primeiros jogos: “O campeonato é longo”. Uai: os três pontos de uma vitória no primeiro jogo não tem o mesmo valor dos três pontos de uma vitória na última partida? É que não há combustível que perdure por tanto tempo.

       Por que equipes grandes vencem clássicos até com facilidade, mas perdem com a mesma facilidade para times pequenos? A diferença está na configuração do evento.