Memórias póstumas de Brás Cubas

Machado de Assis

O romântico Brás Cubas

        Os escritores realistas gostavam de personagens românticos. Construía-os para em seguida destruí-los ardilosamente, maquiavelicamente. O objetivo era demonstrar ao leitor as consequências desastrosas do romantismo pessoal.
         O romantismo social, revolucionário, de José de Alencar e Castro Alves, que argumentou em favor da república, da abolição, da democracia, esse romantismo nunca foi repudiado pelos realistas. Precisávamos dos românticos para fazer as revoluções que historicamente se mostravam necessárias.
         Machado de Assis e Eça de Queirós jamais se conformaram com o romantismo pessoal, fantasioso, neurótico, ausente da realidade, resultado da ociosidade e do desconhecimento.
Luíza, a protagonista de “O Primo Basílio”, do Eça, era uma moça ingênua, afastada do estudo e do trabalho. Conheceu apenas algumas professoras de alfabetização e de música. O machismo burguês do século 19 não permitia que uma moça “de família” se ausentasse de sua casa para estudar ou trabalhar. A sua vida seria apenas cuidar do marido e dos filhos.
         Jorge, o marido de Luísa, não tiveram filhos. Que faço com o tempo em que cuidaria das crianças? O marido era engenheiro de minas do Ministério de Obras Públicas, passava semanas e às vezes meses trabalhando longe de casa. Que faço com o tempo em que cuidaria do meu marido? Luíza exibia suculentos motivos para sofrer muito nas mãos de um escritor realista e ainda servir de argumento contra os vícios da burguesia. Minha trisavó já dizia que cabeça vazia é oficina do diabo.
         Luíza morreu de tanto trabalhar. Juliana, sua empregada, encontrou o rascunho de uma carta que escrevia ao primo Basílio. Nessa carta, confessava o adultério com o primo. A empregada pediu 600 contos de réis para devolver o rascunho. Luíza não tinha meios para juntar secretamente todo esse dinheiro. A empregada, então, raivosa e doente, fazia Luíza trabalhar em seu lugar quando Jorge estava viajando. Convém lembrar que naquela época não havia luz elétrica nem água encanada. O serviço doméstico era trabalho pesado. Lavavam a casa com baldes de água de poço e passavam roupas com ferro a brasa.
         Brás Cubas, protagonista e narrador do romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, do Machado, outro romântico. Apaixonou-se por uma prostituta, a Marcela, e acreditava no amor da bonitona. Quando o pai o mandou estudar na Europa, exatamente para afastá-lo dela, Brás Cubas propôs a Marcela que fosse com ele. Imaginou que a dona dos seus sentimentos ouviria deslumbrada a proposta: viver na Europa, com ele, livre de qualquer despesa. Um sonho! Mas Marcela inventou uma desculpa e não foi. Brás Cubas saiu chutando latas. Contrariado por uma realidade que ele não reconhecia. Sofreu, mas um dia percebeu que Marcela não morria de amores, que Marcela vivia de amores: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”.
         Herdeiro de um pai arrogante com os outros e permissivo com o filho, Brás Cubas não se enturmou. Não conheceu as ambições próprias de alguém que sofrera necessidades fisiológicas como a fome ou o frio, nem sabia abrir mão de algumas vontades para conviver, ou seja, podia e fazia tudo que queria e não queria mais do que podia. Fizeram dele um homem descarrilado dos paradigmas sociais. “Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento... Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”