futebol

Maurinho Canguru

         Ninguém registrou, mas há testemunhas. O gol do Maurinho Damarta contra o XV de Novembro é original e incrível. Nunca vi algo semelhante.
         Todo sábado tem pelada no Peladão. Um campo de futebol construído e mantido pelos moradores do Conjunto Habitacional Adriano Mendes. No meio do ano, porém, não tem pelada, tem campeonato. Os times de peladeiros de Palmeira Fina cotizam a compra de troféu e medalhas e durante dois meses disputam ferozmente o título de campeão.
         No dia 18 de junho de 2005, no jogo de abertura do campeonato, estavam em campo o XV de Novembro e o Tobogã. O time da casa contra o campeão de 2004. Maurinho Damarta jogava para o Tobogã.
         O primeiro tempo terminou com o placar no zero a zero. Aos dezesseis do segundo, o lateral-direito do Tobogã, o Petê, lançou uma bola, alta, para o meio do campo, já perto da grande área. Maurinho, com apenas um toque, matou a bola e deu um chapéu no zagueiro. Damarta recebeu a bola com a lateral interna do pé direito de tal forma que amorteceu a velocidade, mas só o suficiente para que não rebatesse. Num lance, deixou a bola rolando em direção ao gol. Entre ele e o goleiro. O Dagobé.
         No lançamento do Petê, estavam à frente somente o atacante, o marcador e o goleiro. O cérebro do Maurinho fez algo inédito e complicadíssimo. Quando o Damarta percebeu o lançamento, seus olhos mediram a velocidade da bola considerando as alterações na altura e no tamanho. Se uma bola é maior quando está mais perto e vai mais longe quando chega mais alto, o cérebro do atacante calculou o momento e a força com que a bola chegaria. E também que força usaria para não parar a bola e no mesmo toque lançá-la por sobre o zagueiro. Quem ousaria desenvolver esse cálculo? Que medida tem o recuo de um pé que é simultaneamente passivo e ativo? Que faz no mesmo tempo em que desfaz? Em que momento o pé deve iniciar o recuo e em que velocidade?!
         Na hora do jogo, não estava chovendo, mas havia chovido duas ou três horas antes. O campo ainda estava molhado. Maurinho correu em direção à bola, ao goleiro e ao gol com todas as forças disponíveis a um jovem de 17 anos que nunca havia fumado, bebido ou tomado remédio. O goleiro do XV de Novembro era enorme: um metro e oitenta de altura e sessenta centímetros de coxa. Abandonou o gol e veio pra dividir com o Damarta.
         O atacante alcançou a bola dois segundos antes do goleiro. Chegou antes porque deu um salto para cair verticalmente com os dois pés juntos. Seus pés plantaram-se aos lados da bola, apanharam-na entre os maléolos e a impulsionaram num segundo salto. O Dagobé atirou-se na grama horizontalmente com os pés adiante. Deu o carrinho pra ver se chegava a tempo de impedir a evolução do atacante, mas deu em nada. No segundo salto, Damarta acompanhou a bola evoluindo por cima de Dagobé, que passou derrapando por baixo do atacante. Quando o Maurinho voltou para o chão depois do segundo salto, sobraram-lhe a bola e gol. Completamente vazio. E o pasmo dos torcedores. Claro! Nesse dia, o Maurinho foi rebatizado: deixou de ser Damarta para ser Canguru.