futebol

Manifesto a todos os santos

         A primeira imagem de futebol que tenho em mente é de 1970. Os jogadores tricampeões do mundo desfilavam pelas ruas de São Paulo no caminhão do Corpo de Bombeiros. Porque na minha família não havia apaixonados por futebol, eu já tinha dez anos. Dez? Camisa 10. Pelé. Santos. Eu queria ver o Santos jogar, o Pelé jogar. Tornei-me um santista.
         Meu pai, nessa época, diz que era são-paulino, mas eu não sabia. Eu não o via assistindo aos jogos, nem discutindo futebol com os amigos e bem menos exibindo a camisa do clube. Como eu não sentia essa influência, o São Paulo não apareceu como opção, aliás, eu não vi alternativas. Eu não conhecia os outros times quando vi o Pelé jogar, pela televisão. A genialidade do pretinho da Vila Belmiro me deu a perspectiva do que ainda pode um ser humano, porque habilidade nas patas dianteiras qualquer animal tem, mas o equilíbrio e a habilidade com os pés nos põem dezenas de milhares de anos adiante dos outros animais.
         O Pelé era a isca e o Santos me fisgou. O Camisa 10 era minha ideologia. Havia em seu pouco esforço a beleza da raça. São fantásticos e conscientemente irrealizáveis os cálculos que o cérebro humano faz para que pés e bola alcancem seus objetivos. A capacidade mecânica do cérebro edsoniano é incomparável. Alguém precisa avisar o Maradona – Gordo como está, mais parece a cozinheira dona Mara – que a natureza ainda não faz dois einsteins nem dois pelés no mesmo século.
         No início dos anos 70, o Santos já era bicampeão da Taça Libertadores da América e vencera em duas vezes o Torneio Mundial Interclubes. Já havia conquistado seis títulos nacionais, quatro torneios Rio-São Paulo e treze vezes o Campeonato Paulista. Ou seja: às maiores glórias do Santos no século XX eu não assisti. Em 1978, eu festejei o 14º título paulista, mas em 1984 eu estava muito ocupado com a campanha Diretas-Já.
         No final do século passado, eu sofri um pouco demais. Minha irmã, a Marta, tinha pena de mim. Muda de time, meu irmão. O glorioso alvinegro praiano venceu apenas o Torneio Rio-São Paulo em 1997, a Copa Conmebol em 1998 e alguns torneios internacionais. Mas começou bem o século XXI: 2002: Campeão Brasileiro; 2003: Vice-Campeão Brasileiro e da Taça Libertadores da América; 2004: Bicampeão Brasileiro.
         Também na última década do século passado, meu pai passou a demonstrar maior interesse por futebol e pelo seu clube. Telê Santana é o maior responsável pelo recrutamento e pela reanimação de torcedores nos anos 90. Meu sogro fez da minha esposa uma são-paulina e o meu sobrinho, o Charles, vestiu a camisa do avô. Meu filho tem poucas chances de não ser tricolor. Nesses últimos quatorze anos, então, quando pudemos, eu torci pelo São Paulo e meu pai torceu pelo time do filho. Minha mãe, também. Mas agora isso pode mudar.
         O Santos é um dos cinco melhores times do mundo no século XX, segundo a FIFA. Como não há outro time brasileiro entre os cinco melhores do mundo, o Santos é o melhor time brasileiro do século passado. Neste século, também já é o melhor, tem dois títulos brasileiros em apenas quatro anos de competição. Noutras palavras, o Santos não precisa mais de mim.
         – Nunca precisou!
         Agora eu vou torcer pelo time do meu pai. Salve o tricolor paulista!

Araçatuba, 19 de dezembro de 2004.