fotografias do tempo

amigos muito íntimos

distante do sol
nas esquinas
nos endereços da infância
sob os pés, os sonhos que já não se veem
não sobreviveram aos mais audaciosos
e sob as pálpebras, o talento para compreender a vida
enquanto os rios se desesperam com a obediência
irremediável das águas às leis que as fizeram ser
nas tardes tão cobertas que parecemos sós
nas estradas que nos prometem não ter fim
encontro Borges, Camões, Clarice, García, Rosa,
Drummond, Pessoa, Plínio, Nelson, Manoel de Barros,
Machado, Hegel, Rachel, Braga, Cecília Meirelles,
Cabral, Camus, Oswald, Fante, Ferlinghetti...
e a poesia se emenda com o que restou dos trapos
e da solidão
e se estende em mim
tão clara que sem rosto
tão forte que sem limites
tão boa que amiga
tão certa que bela

só o que me importa

não sei do meu destino
no entanto jamais o perdi de vista
viver é viajar no tempo para o futuro
nunca desarrumei as malas
nem me deixei seduzir pelas mariposas
que se esforçavam nas estações
no caminho a gente aprende o caminho
bebo chuva e frio
os meus desejos não têm segredos
pois não me importa qual seja
importa-me apenas que seja a verdade

tocaia

teus olhos predadores resolvem a mira
e se encaminham regalados
ziguezagueando dos meus receios
entrincheiro-me nalgumas virtudes e espero
ensinaram-me a não me arriscar com as presas
determinam caminhos que só lhes interessam
os caçadores dissimulam seu caráter
mas expõem suas misérias
alimento-me delas
por favor, não me prives de tuas fraquezas
prossegue!
estou aguardando teus risos certos de vitórias
bailando entre dentes
numa feira de vaidades e mentiras
explora-me que exploro meu explorador
devora-me e te decifro
deixa-me ler teu futuro em tuas marcas
teus segredos em tuas pernas
que se cruzam enquanto avanças
abusando da humildade que ainda mora em mim
pelo amor de Deus, não me poupes!
não me interessa tua piedade
não tenho medo dos teus estragos
as paixões que se agonizem
as dores que se machuquem
por que viver se não for pra valer?